terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Terça-feira de fogo: o último vôo da fênix


“É HORA DE FREVO
Composição: Capiba
Quem quiser me ver
Me procure aqui mesmo
Quando chega o carnaval
Seja noite ou dia
Aqui tudo é alegria
E alegria não faz mal
É aqui que eu danço
Aqui é que eu canto
Aqui é que eu faço
Com desembaraço
Misérias no passo!
Na quarta-feira,
quando tudo terminar!
Eu espero mais um ano,
até o frevo voltar!”


Amanhã é quarta-feira de cinzas. Pensei então que poderíamos chamar o dia de hoje de terça-feira de fogo. E acho que esse é um nome bastante sugestivo, dada a grande euforia desse momento que seria o último momento dessa festa tão bela que é o nosso carnaval. Na prática não é o último momento porque o nosso povo é festeiro o suficiente tanto para antecipar o incêndio como para retardar o apagar das chamas.

Lembrei-me logo da fênix, esse pássaro da mitologia grega que, ao morrer, entrava em um estado de autocombustão, renascendo, depois, das próprias cinzas. Nós, recifenses, temos a nossa própria fênix, esse galo gigante que ajunta milhares quatro dias antes das cinzas.

É um período em que as pessoas ficam bem diferentes. Elas festejam, saem da rotina, acabam com a seriedade e esquecem as preocupações. Usam roupas nada convencionais, usam poucas roupas ou mesmo nenhuma. Saem de casa, festejam ao ar livre, em grupo, se dedicam ao prazer, ao sexo, ao prazer, ao prazer.

Vulgaridade, dizem uns. Pouca vergonha, festa do cão, dizem outros. Eu mesmo já disse isso tantas vezes no meu passado remoto. Os últimos anos me trazem tantas dúvidas sobre o que é vulgaridade. Uma mulher que demonstra gostar de sexo, por exemplo, é chamada de vulgar. Aliás, falar abertamente de sexo é vulgar. E esses dias nos apresenta muita nudez, muita “apelação” sexual, como argumentam tantos. Belas bundas e belos seios à mostra (é a visão de um homem, por favor, mulheres, podem traduzir essa parte na sua linguagem). Mas ninguém gosta disso, não é verdade?

Ninguém se interessa por coisas que tenham a ver com sexo (pornografia não vende). Ninguém gosta de cenas picantes em um filme romântico. Só os cachorros gostam disso. Aliás, tenho, dentre as minhas cenas de infância, essa: Uma cadela no cio no meio da rua e vários cães disputando um tempinho de sexo com aquela fêmea que, com o seu próprio corpo, pede para ser possuída. Que fêmeas vulgares que são as cadelas no cio, não é verdade? Quem quer que tenha feito a cabeça delas para ser assim só pode ser alguém muito vulgar. E o pior é que a maioria esmagadora dos animais são assim, vulgares.

Mas nós não! Ah, de forma alguma! Somos diferentes. Não nascemos com a cabeça feita. Fomos nos construindo (ou talvez destruindo, quem sabe) no decorrer de nossa existência. Chamam isso de livre-arbítrio. Não temos o comportamento programado por alguém,  como os animais. Nós mesmos que criamos as nossas regras e escolhemos o nosso comportamento. E se dizemos: É vulgar, então é. Não ser vulgar o que seria? Esconder o que sente? Fingir ser diferente daquilo que o nosso próprio corpo é? Não sei. Deixo aqui um trecho do último livro de Rubem Alves que estou lendo. Ele fala sobre como a religião costuma ver o prazer. Aí vai: "A tradição cristã tem medo do prazer. Prazer é artifício do Diabo. Tanto assim que, para agradar a Deus, os fiéis se apressam a oferecer-lhe sofrimentos e renúncias, certos de que é o sofrimento dos homens que lhe causa prazer. Não tenho conhecimento de alguém que, a fim de agradar a Deus, lhe tenha feito promessas de ouvir Mozart ou fazer amor." Rubem Alves - Variações sobre o Prazer, p.96.

E chega o carnaval, suas máscaras e fantasias, as bebidas e o anonimato, para que todos possam se sentir à vontade de ser quem são de verdade e possam viver, pelo menos naqueles poucos dias, sem o peso das classificações: Vulgar, feio, pecado, imoral. Completamente incendiados pelos desejos reprimidos o ano inteiro, brasas que se juntam para formar um fogaréu só, onde não há distinção entre rico e pobre, preto e branco, hetero e homo, homem e mulher, onde tudo se mistura, todas as cores, todos os ritmos, todos os líquidos, todos os sons, todos os tons, numa harmonia bagunceira, numa ordem caótica, numa profanidade sagrada. Mas é claro que carnaval não é sinônimo de sexo. Isso é apenas uma pequena parte. É festa, é dança, é diversão, é cultura, é paixão, é igualdade, é união.

Até que surgem as cinzas, após o pleno consumo das chamas, para lembrar a todos o que é vulgar, o que é feio, o que é imoral. E das cinzas renasce o trabalho e o trabalhador, o consumo e o consumidor, o produto e o produtor, o rico e o pobre, o preto e o branco, o sonho e o sonhador.

Ah, desejaria eu outro renascimento para a fênix. Que não fosse preciso a morte ou a proximidade da morte para que as chamas surgissem. Que das cinzas pudessem sair já as chamas do prazer. Que a nossa vida fosse repleta dele, do prazer, e não estou falando de sexo, apenas. Estou falando de vida, de plenitude, de viver sem limitar os potenciais do prazer. De desafiar o estabelecido e ousar. De gozar a vida sem medos, menos racionalmente, mais instintivamente. Não acho que isso seria origem de mais violência, mas desconfio que poderia ser um dos remédios.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Pra"Z/S"er

Por Bruno Montarroyos

Moça bonita, de pele macia
Da boca carnuda
que o mel anuncia
Quando te vejo, quase vestida
um fogo me toma
fico  sem saída

Tal qual a sede, diante de água
meu corpo implora teu corpo encontrar
Mãos desejosas por passear
lábios sedentos por saborear
Um cetro rijo, quente e molhado
tua gruta faminta deseja adentrar

Desses encontros, entradas, saídas
Líquidos quentes, loucura, prazer
Duas fagulhas, dois corpos fundidos
Juntos gozando o sentido do ser

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Desejo

Por Bruno Montarroyos
Onde está você?
Que fitará os olhos na minha direção
Denunciando o brilho total excitação
Intenso desejo e ardente sede
Tal qual sedento nômade no deserto
A encontrar tão majestoso oásis
E desejar dele estar sempre perto

Quero promover o mais perfeito encontro
Dos nossos desejos mais ardentes
Do suor de nossos corpos quentes
De lábios fluindo deliciosos beijos
E na incandescência dessa euforia
De duas chamas que se consomem
Te farei plena mulher
E te serei escravo-homem

Quero desnudar-te os seios
Enquanto lábios e corpos se atracam
Quero beijar-te inteira
Degustar cada detalhe
Nos transportar a um outro mundo
Um mundo exclusivamente nosso
Onde os prazeres não têm limites
E tudo quanto quero posso

Vem, amada minha
Despida de medo e tabu
Vamos nos entregar um ao outro
Nossos corpos integralmente nus
Despidos de toda moralidade vazia
Que conspira contra o intenso prazer
Dando ao outro o máximo de si
E o máximo do outro também ter

Desejo total expressão
Sentidos, palavras e sons
Nossos líquidos ardentes se misturando
Na harmonia dos mais belos tons
Corpos suados e entrelaçados
Conduzindo frenética dança
Até que juntos alcancemos
O clímax que o pleno prazer lança

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

É preciso saber viver

Por Bruno Montarroyos

Ó Pai, perdoa-me por todos os prazeres que me neguei viver só pelo medo do que poderiam pensar ou falar de mim. Por não dar ouvidos às capacidades racionais que me deste quando por tantas vezes me trouxeram conclusões diferentes dos pacotes prontos de exigências morais impostas por uma herança social duvidosa. Pequei! Tu que criastes esse gigantesco parque de diversões que é a vida. Criastes com tanto carinho cada detalhe. Imaginando os teus pequenos filhos transbordando de prazer nesse imenso paraíso lúdico. Antevendo-os a se lambuzar de prazer em cada um desses maravilhosos brinquedos encantados. E que em algum momento, sentado em um lugar elevado com vista privilegiada sobre esse incrível empreendimento, espera ansioso para observar as reações dos pequenos desde o primeiro contato com esse mundo mágico. Esperaste ansiosamente por esse momento em que poderia experimentar os mais intensos prazeres ao assistir os teus pequenos se entregando totalmente aquele universo propiciador das melhores sensações possíveis. Perdoa-nos! Como explicar? Chegamos aqui e o que fizemos? Apontamos para o primeiro brinquedo e dissemos: Esse não! E criamos leis severas que punissem com rigor qualquer um que se aproximasse. E fomos dessa forma cercando um por um daqueles brinquedos com que nos presenteastes. E ainda ousamos dizer que somos teus adoradores. Como? Se a adoração que querias de nós era exatamente o prazer de nos ver felizes com todos os presentes que nos destes. Como te daremos prazer se no lugar de valorizá-los a cada um, proibimos-lhes a todos o uso. Enganamo-nos achando que tantas proibições te agradariam. Perdoa-nos! Perdoa-me! Prometo esforçar-me para pular as correntes repressoras que me separam desses presentes, desses dons. Arriscar-me a experimentá-los apesar de qualquer olhar contrário. Não quero machucar ninguém, mas não tenho o que fazer se alguém resolver de própria vontade se sentir machucado por não concordar comigo. Resta-me o desafio de não me importar tanto com o que pensam ou falam de mim. Um dia chega a morte ou coisa parecida e nos arrasta moço sem ter visto a vida. E nos arrasta a todos. A mim e aos que falam mal de mim. A mim e aos que pensam mal de mim. Só não quero chegar perto do final e descobrir que nem cheguei a começar.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Hipocrisópolis

Por Bruno Montarroyos


Não eram apenas os seus pensamentos que, confusos pelo pesadelo do qual acabara de se libertar, arfavam completamente obscurecidos. Não havia sequer um pequeno facho de luz naquele aposento. Está com medo. O coração martela um som quase ensurdecedor aos seus ouvidos. Tateando as paredes e objetos aparentemente desconhecidos, consegue chegar até ao que parece ser uma cortina velha e empoeirada. Com uma das mãos desnuda a luz que lhe cega momentaneamente os olhos, fazendo invadir o dia àquele ambiente sórdido e sombrio que se lhe acaba de apresentar. Não! Nunca antes estivera nesse quarto. Não lembra. Os pensamentos ainda confusos de quem acredita nem ter acordado ainda. A vista já lhe volta aos olhos quando procura respostas através do vidro da janela. Olha para o seu relógio, são dez da manhã. Aproxima-se mais e mais daquela transparência que poderá trazer ainda mais luz ao seu momento inquietante.


Apóia a fronte no vidro e arremete ao exterior os olhares angustiosos e sedentos de um qualquer conhecido que lhe traga segurança. Vê pessoas, mas algo lhe parece muito estranho. Todos são iguais! Não, não é nenhum jargão para expressar um ideal subjetivo qualquer de semelhança entre seres da mesma raça. São exatamente iguais, andam iguais, fazem as mesmas coisas. Aquela pele branca como a mais branca nuvem, escondida apenas da altura das coxas ao pescoço pelo que parece um casco de tartaruga gigante, de onde saem as pernas, os braços e cabeça. Não tinham cabelos. Andavam arrastando a perna esquerda e com a mão direita segurando a nuca. Seguiam em fila, sincronizados nas mesmas atividades. Por algum momento desejou ardentemente voltar ao pesadelo anterior, o qual tinha certeza não ser real. Não bastava ter acordado em um ambiente tão desconhecido como aquele estranho quarto em que estava. E agora impossibilitado de se libertar por uma limitação de identidade. Era o único diferente naquela região. Percebe um grande espelho na parede e se aproxima apenas para confirmar a sua estranheza diante daquela população totalmente desconhecida. Estava aprisionado pelo medo de que a sua diferença não fosse bem-vinda àquele mundo harmonioso.


Alguns dias observando através do seu portal secreto, já consegue narrar tudo o que vai acontecer em cada momento do dia. Tudo é muito repetitivo e previsível, até que um dia algo novo lhe atrai, trazendo uma forte esperança. No meio de toda a sincronia e harmonização surge uma aberração. Um diferente. Diferente como ele mesmo. Não igual a ele, mas semelhante, portanto diferente dos demais. Não arrasta nenhuma das pernas ao andar, não tem as mãos segurando a cabeça e a pele não é da mesma cor. Não possui aquele casco e tem cabelos. Um círculo perfeito é formado redor do novo estranho e matematicamente sincronizado é iniciado um processo coletivo de apedrejamento. Aquela cena não poderia ser pior para ele. Aquele fiozinho de ânimo deu rapidamente lugar a um medo sem igual em toda a sua vida. Se olha novamente no espelho e é tomado completamente de uma amargura tão profunda quanto a própria eternidade. E é nesse momento sem saída que repara pela primeira vez um baú quase que escondido por trás de uns objetos jogados em um canto de parede. Ao abrir e vislumbrar o que abrigava o seu interior teve a mais iluminada das idéias daqueles últimos dias de escuridão. Era um casco exatamente igual ao que aqueles agressivos habitantes usavam. Bastava apenas completar uma produção que lhe permitisse tornar-se parecido o suficiente para não ter a sua diferença percebida pelos demais.


Não demorou muito para encontrar ali mesmo tudo o que precisava. E em poucas horas, após inúmeros olhares ao espelho e retoques intermináveis, estava perfeitamente igual a todos aqueles que deveria muito em breve encontrar. Alguns ensaios ao espelho e a postura, o andar, todos os movimentos eram idênticos. Sairá pela primeira vez daquele lugar desconhecido onde de uma forma desconhecida foi parar. E sai, repetindo os movimentos que tanto observara de como cada um saia de sua casa para se juntar à sincronia coletiva. Repete todas as atividades que já havia decorado durante aqueles dias que foram os mais sombrios de toda a sua vida. E consegue passar o primeiro dia de alívio depois desse novo e incômodo desconhecido que têm vivido. Finalmente aceito e livre. Não precisará mais ficar trancado dentro daquele quarto angustiante. Livre! Livre! Livre! Livre? Ah, se pudesse ver o que acontece exatamente agora quando volta para o seu quarto nessa mesma hora em que cada um daqueles se recolhe ao seu lugar. Se pudesse ver quanto tempo cada uma daquelas pessoas passam em seus aposentos solitários se produzindo e ensaiando os movimentos que lhe trará aceitação do coletivo. Se cada um soubesse! Poderiam ser um dia livres de verdade.